TU NO DIVÃ
PARA SER PRESENÇA, SÊ INSTANTE
POR LUÍZA CANATO
Tinha a intenção de escrever sobre o centenário de Paulo Freire, falar um pouco sobre uma pessoa que fez da vida a base da educação, não o contrário. Contar da importância da educação dialógica na minha vida e da tentativa de aliar a produção psicanalítica e a pedagogia de Freire.
Mas...
Escrevo esse texto, atrasada, sufocada pelas coisas da vida não, tenho dado conta de ser mãe, esposa, profissional, adulta saudável e feliz.
Escrevo muito tomada pela morte repentina da cantora Marília Mendonça, 26 anos, uma carreira incrível e um filho pequeno.
Depois que nos tornamos mães, muitos medos surgem e a possibilidade de não nos fazermos presente na vida de nossos filhos é aterrorizante.
Tem dias que são assim.
A realidade cede inflexível
aos nossos olhos.
Adélia Prado escreveu:
“De vez em quando Deus tira a poesia.
Olho pedra, vejo pedra mesmo.”
Tenho a impressão de que somos um país em constante processo de luto. O golpe de 2016, a eleição de um governo de extrema direita e a pandemia são acontecimentos que nos fazem sofrer e que teremos que, um dia, elaborar.
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Acredito que o luto nos chama para um estado de presença, uma espécie de portal para o sentir e de certa forma, para o viver.
Ser presença não é fácil.
Levados pelas obrigações da vida ou pelos nossos desejos nos distanciamos.
Somos presença quando nos unimos. Quando nos enxergamos no outro. E olhamos o outro como um indivíduo, um universo complexo e belo.